Oficina “Novo Estatuto do Estrangeiro: O que é e como te afeta”

Nesse sábado, dia 24 de Novembro de 2012, o Educar para o Mundo organizará, em parceria com a Equipe de Base Warmis do coletivo Convergência de Culturas e com o apoio da Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a oficina “Novo Estatuto do Estrangeiro: O que é e como te afeta”, no Memorial da Resistência em São Paulo.

O intuito do encontro, que se repetirá ainda em outras datas e em outros locais, é pautar a legislação que recai sobre os imigrantes (o atual Estatuto do Estrangeiro e seu projeto de reforma, o PL 5655/2009, assim como o Código Penal e sua respectiva proposta de atualização), apresentando e discutindo-a com esses sujeitos do direito. Quais as motivações e concepções por trás dos artigos? O que corresponde ou não com a realidade, com a proteção dos Direitos Humanos daqueles que migram, ou mesmo com a nossa Constituição?

A oficina, que já aconteceu também no dia 17/11 no CAMI – Centro de Apoio ao Migrante, será repetida em outros locais e datas, e espera-se que possíveis disseminadores destes temas entre a comunidade migrante sejam capacitados pelo encontro.

Oficina  “Novo Estatuto do Estrangeiro: O que é e como te afeta”, 24/11/2012 às 14h no Memorial da Resistência (Largo General Osório, 66)

Fotos da exibição do Documentário “Olhares da Kantuta”

No domingo dia 21 de Outubro desse ano, o Educar para o Mundo exibiu em vários horários, na sede da Associação Kantuta, o documentário “Olhares da Kantuta”, produzido ali mesmo, que pode ser conferido aqui no nosso blog. Compareceram às exibições várias das crianças que colaboraram na execução do projeto, assim como pais e outros interessados.

“Olhares da Kantuta” foi produzido a partir de uma colaboração entre o Educar Para o Mundo, o Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias e frequentadores da praça Kantuta, conhecida como importante centro de expressão da cultura latino-americana no bairro do Pari, em São Paulo.

Confira as fotos do dia da exibição:

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Encontro com Julio Groppa Aquino

Há três anos, já em nossos primeiros passos na Escola Municipal Infante D. Henrique (Canindé, São Paulo – SP), a tal da indisciplina emergiu no diálogo entre alunos, pais e professores como a grande vilã do ambiente escolar. No debate que organizamos após a exibição do filme Entre os muros da escola, em 2009, tanto as opiniões ferrenhas como os profundos silêncios causaram-nos uma forte sensação de despreparo. Por isto pedimos ajuda à Julio Groppa Aquino, na Faculdade de Educação da USP – afinal, “somos de R.I., não somos especialistas em educação”. Ele exclamou: “ainda bem” ! Desde então, não contentes em apenas lê-lo, tentamos conciliar agendas e calendários para tê-lo conosco na escola. O que ocorreu, enfim, quinta passada, 17 de novembro, quando Julio mostrou-nos uma parte da imensa floresta escondida pela árvore dos chavões e chororôs que atazanam a educação brasileira.

Na penumbra da sala de leitura da escola (faltou energia, mas só a elétrica), Julio avançou em nosso imaginário com o viço de um metaleiro fazendo roncar uma daquelas enormes motocicletas prateadas. Avisou que suas ideias eram descartáveis, desprovidas de pretensão normativa, e que sua fala seria quase insuportável. Sabia do risco de ser o “estrangeiro” que mete a colher numa espécie de briga de marido e mulher, que é a tensão constante entre professores e alunos. Com rigor e franqueza, foi descosturando a circularidade do discurso dos professores. Enfrentou mitos como o da “famílias desestruturadas” ou o “não é possível educar sem as famílias”.  Mostrou que grande parte do mal-estar docente está relacionado à democratização da escola que ocorreu nas últimas décadas. De fato, hoje é preciso educar uma impressionante massa, dotada de escasso acesso aos bens da vida, em grande parte filha de quem nunca foi à escola, o que desconcerta o docente forjado na escola para poucos que o formou. Logo, embora defendamos incondicionalmente o direito à educação, ainda temos grandes dificuldades em pensar práticas pedagógicas para todos e quaisquer. E o descrédito em relação ao presente e ao futuro dos que se adaptam dificilmente às expectativas sociais deteriora o pacto fundamental da educação: a aposta do professor na capacidade de aprender de cada um, seja ele quem for – filho de trabalhador, migrante ou desempregado, e também daqueles que foram etiquetados como putas, vagabundos ou bandidos. Mas, afinal, que práticas pedagógicas poderiam reconstruir o amálgama escolar?

Para Julio, ensinar é compartilhar um pasmo; é descortinar, diante do aluno, uma inquietação e um grande amor, o seu amor pelos livros, pela geografia, pela matemática, pelas línguas… Em lugar de obediência, parceria. Nosso convidado chamou a atenção para o fato de que os alunos considerados difíceis, quando engajados numa parceria, são os mais colaborativos.  Não deu receitas, pois não acredita nelas. Mas leu um poema de Manoel de Barros que divertidamente revela uma das incontáveis surpresas do aprender. Ajudou-nos a compreender esse momento da história do Brasil em que a educação está na moda (só se fala de educação em saúde, em meio-ambiente, nas empresas…),  mas os professores, vitimizados, sentem-se demodés. Paradoxalmente, achamos que só nós sabemos o que de fato se passa na escola, mas somos capazes de reproduzir bobagens que qualquer celebridade estulta cospe sobre educação. Somos reféns das representações e idealizações que carregamos, incapazes de enfrentar o novo como algo instigante. A ditadura da prática, essa tal de prática que perigosamente ungimos com a chancela da verdade, asfixia a nós e a nossos alunos. Por tudo isto, e por muito mais que Julio nos trouxe e não cabe neste post, quinta-feira vivemos – e sofremos – um dos nossos melhores momentos na escola. Caóticas, lugares de pensamento e de conflito, nossas escolas são fascinantes por isso mesmo. E, vendo-as desnudas, fomos conduzidos pelo Julio a uma espécie de paixão à segunda vista (Deisy Ventura).

A Polícia Militar na USP – artigo de Paulo Arantes, Marcus Orione e Jorge Luiz Souto Maior

Todos concordam que, no Estado de Direito, ninguém está acima da lei. Com base nessa premissa, não é possível conceber-se espaços isentos do controle de legalidade estatal. Por que, então, se essa é uma premissa razoável, defender que a Polícia Militar não possa fincar raízes na USP para o controle da legalidade? Por que ela pode estar em outros espaços públicos e não se pode conceber sua presença ali?

Primeiro, para que a legalidade seja observada, não basta a presença da PM, sendo que há outros meios mais eficazes para a sua preservação -seja na USP, seja em qualquer lugar. Aliás, poderíamos dizer que o ideal é que a legalidade, cujos instrumentos decorram de processos efetivamente democráticos, não dependa de qualquer tipo de fiscalização para ser respeitada.

Segundo, e mais relevante, para que uma universidade pública tenha importância para um país, faz-se indispensável que seja um centro de excelência em geração de ideias. Para que elas possam ser geradas, a liberdade é fundamental.

A partir daí, os pensamentos gestados se transformam em atos, que podem ser elaborados também no plano político.

A presença constante de qualquer agente com potencialidade repressiva, e que possa ser acionado por um poder central, certamente é elemento inibidor da gestação de ideias e, por consequência, da força motriz da universidade e de sua relevância para a sociedade.

O limite é tênue entre o crime comum e o político; entre a criminalização de condutas e a de ideias.

Um agente como a Polícia Militar certamente não está, mesmo por não ser essa a sua função no Estado de Direito, habilitado a fazer essa distinção. Somente se põe a executar a ordem superior. A reitoria pode, sob a alegação de suposto interesse público, de ofício, acionar tais meios repressivos.

Pode fazê-lo também se a PM estiver fora do campus universitário? Óbvio que sim. Mas, com certeza, mantendo-se no local um corpo militar, há a presença física que sempre se coloca, não somente de forma simbólica, à disposição para eventual repressão de atos ligados à livre expressão de ideias.

Nem se diga que a criminalização das ideias e das movimentações sociais geradas têm sido, por exemplo, uma exceção na atual gestão.

Atualmente, cinco dirigentes sindicais encontram-se em vias de demissão, e 25 alunos estão às portas da expulsão. Por “coincidência”, todos se envolveram em atos políticos de reivindicação.

Ora, um campus militarizado, certamente, é extremamente daninho ao cumprimento das finalidades que são necessárias à construção de uma sociedade em que imperem a igualdade e a justiça.

Afinal, ensina a história, coturno e liberdade de expressão nunca caminharam juntos.

No entanto, resta a pergunta: como fazer para que aquele espaço não fique imune à responsabilização dos crimes comuns? Certamente, a ausência da PM não implica impunidade naquele espaço.

Inicialmente, porque ela sempre pode ser acionada, como se dá com qualquer cidadão que, na cidade de São Paulo, não tem uma viatura no seu bairro.

Por outro lado, não é crível que aquela que chamam de maior universidade da América Latina não possa, a partir de estudos dos maiores especialistas nas diversas áreas do conhecimento, várias ligadas à segurança pública, resolver o seu próprio problema de segurança.

Aliás, seria interessante que o fizessem. Assim, talvez não apenas o problema da militarização no espaço destinado à produção de ideias estaria resolvido. Quem sabe algumas das soluções pudessem ser revertidas para a sociedade que, como um todo, vive também assolada pela crescente militarização, sem que isso represente um efetivo aumento da sensação de segurança.

PAULO ARANTES é professor da FFLCH-USP.

MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA é livre-docente e professor de direito previdenciário da Faculdade de Direito da USP.

JORGE LUIZ SOUTO MAIOR é professor associado da Faculdade de Direito da USP.

Publicado hoje na Folha de S. Paulo, p. A3.

Tratamento Especial, por Leonardo Rodarte

Acordo em meio a gritos e barulho de helicópteros. Ainda era madrugada quando a Tropa de Choque da PM pôs em marcha a sua operação de reintegração de posse do prédio ocupado da reitoria da USP. O sol sequer se esboçava no horizonte mas o meu quarto no Conjunto Residencial da USP (CRUSP) já se encontrava completamente iluminado. Ao abrir a janela, me deparo com um helicóptero da PM que, sobrevoando a área próxima aos prédios de moradia universitária, disparava um forte rojão de luz em minha direção. Ainda um pouco desnorteado, localizo outros dois, nesse primeiro momento, para depois descobrir por relatos de outros moradores que, ao total, quatro dessas máquinas haviam sido deslocadas para a operação em curso.

Ao barulho dos helicópteros e das pessoas gritando, logo se somariam os estalos causados por duas bombas de gás lacrimogênio lançadas no principal corredor de ligação entre os blocos de moradia. Uma terceira bomba explodiria minutos depois e uma nova onda de gritos de pavor ecoaria em meio aos moradores em seus apartamentos e aqueles que haviam descido para saber o que estava acontecendo.  Vídeos postados na internet conseguem demonstrar a grande névoa que se alastrou por todo o CRUSP que, junto à escuridão do dia nem amanhecera, impedia a visão e nos contaminavam os olhos.

Eu moro no primeiro andar de um dos blocos e a fumaça já havia invadido o meu apartamento pela janela da sala, permanentemente aberta no verão. Situação ainda pior se observava no térreo de um dos blocos, o que abriga as estudantes mães-solteiras e suas crianças. Cerca de 60 crianças que vivem atualmente nas residências estudantis foram, naquela manhã de terça-feira, despertadas ao som de bombas e helicópteros. O mais alarmante é o fato de que a fumaça lançada pela tropa de choque ao alcançar o meu apartamento no primeiro andar já havia se alastrado pelo térreo, onde moram as crianças.

Ainda um pouco confuso, subo pelas escadas de incêndio ao sexto andar do prédio de onde eu consigo observar o que estava acontecendo: centenas de policias obstruíam todas as saídas de acesso ao CRUSP e, em algumas delas, com a cavalaria. Uma moradora gritava insistentemente “Choque no CRUSP”, na tentativa de acordar os demais moradores, como se todos ali já não estivéssemos despertos. Estávamos cercados.

Como muitos outros, desço ao corredor de ligação entre os blocos e vou em direção à principal saída de acesso à reitoria, próxima ao bandejão central. Alguns estudantes já lá estava e buscavam forçar passagem por entre a tropa de choque quando um dos policiais dispara. Outros dois seguem o seu exemplo e também disparam balas de borracha, não tendo por alvo os estudantes, ao que me pareceu, mas o chão onde demarcavam a linha até onde os moradores podiam chegar. Isso não impediu, no entanto, de que uma moradora fosse atingida nas costas. Nesse instante, um coronel ao fundo ordena aos policiais que parem de atirar. As suas palavras foram “Aqui não! Não reajam, não atirem. Estamos na USP”.

Pelas palavras do coronel pareceria que estávamos tendo um tratamento especial por parte da tropa de choque, que tem por conduta rotineira a repressão pela violência e o desprezo pela vida humana, confirmado pelos altos índices de assassinatos cometidos pelas tropas policiais em serviço no Brasil, dentre os piores do mundo. Mas se esse era o tratamento especial das tropas treinadas em direitos humanos, segundo atestam as autoridades, como justificar as bombas dentro das moradias estudantis atingindo até mesmo crianças, e o cerco que armaram entorno aos prédios impedindo o ir-e-vir livre dos moradores e trabalhadores, os que chegavam para trabalhar no restaurante central e os que, como estudante, cumprem a dupla jornada de trabalho e estudos, e que logo se dirigiriam aos pontos de ônibus?

A questão aqui não é julgar quão benevolentes foram ou não as tropas de choque, pois para nós, moradores, fica patente a violação de muitos dos nossos direitos, enquanto estudantes e moradores, ou mesmo como cidadãos. O ponto com que se preocupar, no meu entender, é como os mesmos policiais podem vir a público dizendo que a operação de reintegração de pose foi pacífica e sem uso de violência quando nossos olhos ainda ardem sob o efeito dos gases que nos atingiram dentro do nossos apartamentos. As pessoas que tossiam, com maior atenção para as crianças, ou os dois moradores do CRUSP detidos junto à operação por tentarem romper o cordão de isolamento imposto pelos policiais na área que corresponderia ao quintal da nossa casa, certamente não podem corroborar com o que dizem as autoridades policiais.

Aceitar que essa foi uma operação “pacífica” da PM, o “aqui não”, nos dizeres dos coronel, nos leva fatalmente a considerar a existência de um outro contexto, onde o atributo “pacífico” não pode ser atribuído nem mesmo pelas forças policias. Um cenário assustador onde impera o “aqui sim” oficial.

Leonardo de Cássio Rodarte é estudante de Relações Internacionais e morador do CRUSP. 

Fronteiras do Direito Humano à Educação: o caso dos imigrantes bolivianos nas escolas públicas de São Paulo

O projeto “Educar para o Mundo” realizará mais uma formação aberta! Desta vez, contaremos com a presença de Giovanna Modé Magalhães, mestra pela Faculdade de Educação da USP; cuja dissertação está disponível aqui.

Contamos com a presença de todas e todos!!!

Quarta-feira, 24 de novembro, às 17h30 – Sala G7, FEA (USP)

Acesse também o post Esquizos, de Deisy Ventura

Quem são nossos inimigos? por Evandro de Carvalho

Na série de desenhos intitulada “Inimigos”, Gil Vicente se retrata ameaçando assassinar personalidades como Mahmoud Ahmadinejad e Ariel Sharon, Lula e Fernando Henrique Cardoso, a Rainha Elizabeth e o Bush. Para Vicente, é um protesto movido pelo seu desencanto e pela certeza de que nada vai mudar. O Presidente da OAB de São Paulo parece ser um sério candidato a ser retratado na obra de Vicente: ele interpretou as obras por meio dos olhos do direito e logo viu ali um crime. São olhos condicionados para ver o mundo por meio dos filtros da lei. E de qual lei? Das instituições contra as quais o próprio Vicente se insurge. E se o direito serve a estas instituições, o que esperar dele?

Leia aqui todo o discurso do Presidente da ABEDI na abertura do encontro realizado em Recife, na sexta-feira passada, com apoio da UNICAP, da FGV Direito Rio e da OAB-PE.

As classes populares no ensino superior

O novo número de Actes de la Recherche destaca a constância do paradoxo que acompanha as categorias populares no ensino superior: apesar das diversas ondas de massificação, continuam expostas a desigualdades sociais tão persistentes que parecem escapar a qualquer reforma.  Leia aqui a resenha de Annabelle Allouch.

Esquizos

“Eu tenho vontade de dizer a esses italianos: escutem, vocês não lembram que já foram bolivianos?”, exclamou Maria Victoria Benevides, em meio ao abraço da Flávia Schilling, numa sala repleta e acolhedora da Faculdade de Educação da USP. O motivo do nosso encontro: a banca de Mestrado da Giovanna Modé, consagrada a um assunto bem incômodo. É possível, nas escolas de São Paulo, a matrícula de alunos sem documentos. As pífias estatísticas contam de 60 a 200 mil bolivianos residentes aqui na cidade – o certo é que, seja qual for o contingente, grande parte dele vive clandestinamente no Brasil. Pensou Giovanna: tudo bem, eles podem matricular os filhos, mas o que acontece durante e depois da matrícula?  E lá foi ela a campo, ver e ouvir os imigrantes e a comunidade à sua volta, ao mesmo tempo em que percorria a melhor literatura sobre migrações, educação e direitos humanos. A densidade teórica ilumina a compreensão das dezenas de depoimentos e afasta qualquer clichê. No texto, encontramos uma menina que não quer mais ser boliviana: “sou brasileira porque eu como miolo de pão e gosto mais de doce do que de salgado. Boliviano é meu pai”. Há também a mãe que sonha com uma escola separada para os bolivianos, pois a educação no Brasil é “fraca, ninguém respeita os professores e o ensino nada tem a ver com a realidade”. Ali está uma criança que sente falta das aulas de música, teatro e dança da escola na Bolívia: “aqui, nas aulas de arte, a gente só escreve”. Há, por sua vez, os brasileiros que, num debate durante a aula, dizem à professora que estão decididos a migrar para os Estados Unidos, onde ficarão ricos e serão bem tratados; então os coleguinhas bolivianos, em geral tímidos, irrompem em riso frouxo. Há igualmente a garota pop que os brasileiros pensam que é japonesa. Ora, só uma impecável escuta durante as entrevistas (postura ético-política que marca a obra da Orientadora, a Flávia) poderia permitir tamanha desenvoltura nestas falas, em que não há rastro de vitimização. Tampouco de ilusões ou ingenuidade. A referência à discriminação é constante. Há relatos de espancamento até a morte, e de estupro de imigrantes. Há o professor da escola municipal que confessa não saber o que fazer com os bolivianos: “eu sou negro, tenho uma bibliografia, já li muito para me encontrar. Mas em relação à América espanhola, sou totalmente ignorante”. De fato, os “Bolívia”, como são chamados pelos brazucas, vão ler o quê “pra se encontrar”? Por estas bandas, a imigração latinoamericana recente merece, como diz Giovanna, um “alarmante silêncio”. Ao menos em parte, a invisibilidade vincula-se às mudanças no modo de produção da indústria local de confecção, onde, atualmente, são raras as relações de emprego, mesmo as informais. A autora mostra que a fronteira explorador/explorado diluiu-se paulatinamente: numerosos bolivianos já possuem suas próprias oficinas de costura em casa, onde moram e trabalham parentes e amigos atraídos por eles, alguns apenas para juntar dinheiro e retornar à Bolívia, outros vindos para ficar. A propósito, depois de algum tempo, o intuito de permanência temporária ou definitiva também se dilui, e o sujeito parece não ser mais de lugar algum, nem saber onde quer estar no ano que vem. As máquinas de costura estão em meio aos móveis, em cômodos apertados e mal iluminados. O trabalhador volta a se confundir com o trabalho, como na escravidão, mas agora o Senhor não é uma pessoa, e sim uma situação. Num mercado instável, o trabalho se disputa, se contrata e é pago por peça. É preciso ter boas relações para conseguir encomendas. Pretensamente teríamos passado do reino do direito do trabalho ao do direito empresarial, como se não existisse uma brutal assimetria entre os atores. Aliás, ao comprar roupa nas lojas de grifes dos Jardins,  poucos sabem que um costureiro recebeu algo em torno de 30 centavos por unidade. O consumo, de fato, não é uma questão menor neste imbroglio. Nossa experiência de trabalho nas periferias mostra a flagrante uniformização do desejo. Embora os que têm menor acesso aos bens da vida, imigrantes ou não, sejam alvo de um novo tipo de racismo (sim, a ciência provou que raça não existe, mas aqui é sinônimo de laia, algo que existe pacas), eles geralmente nutrem os mesmos sonhos de quem os discrimina. Giovanna lembra a metáfora kafkiana das muralhas contra os nômades. O Imperador da China não parava de construir imensos muros no deserto, mas com enormes falhas entre eles. Ninguém entendia a razão, sobretudo porque já havia notícias de que os nômades estavam acampados na capital, justamente na praça em frente ao Palácio. Num primeiro momento, relacionei a metáfora à imigração controlada, ou seja, ao fato de que os Estados hoje escolhem quem pretendem receber, de acordo com as necessidades do mercado e enquanto elas durarem, mas depois os vínculos que se criam e a porosidade das fronteiras torna o controle absoluto tão impossível quanto violento. O problema é que, na estória, os nômades não pareciam ter a menor intenção de tomar de assalto o Palácio real. Salvo por força de uma completa distorção da realidade, eles não serviam como ameaça. Então pensei nas muralhas lacunares, ou em gestos como os de Sarkozy, como lamentos fascistas diante de uma pasteurização inevitável: a universalização contraditória do desejo e da miséria. Mas tem razão a Giovanna quando diz: “o imigrante é, em todo caso, um sujeito diferente”, que não queremos tornar igual, apenas incluir. No texto, não por acaso, ela cita o Educar para o mundo, e nos agradece “pela maneira dinâmica como vem articulando a universidade a outros atores fundamentais deste nosso campo, para além dos muros acadêmicos”. Enfim, a tarde de ontem foi um delicioso encontro entre e sobre diferentes. E assim que a dissertação for publicada, eu avisarei por aqui (DV).

Preconceito

Vídeo realizado por José Luis Choque (11 anos), aluno da Escola Municipal Infante D. Henrique, na Oficina de Animação e Quadrinhos do Educar para o mundo, realizada entre setembro e outubro do ano passado. José Luis narra algo que havia ocorrido recentemente:  um amigo seu foi discriminado na escola porque “cheirava mal”. O Zé tenta, então, convencer o menino a permanecer na escola. Importante registrar que as crianças espontaneamente escolheram os temas e elaboraram os roteiros de seus vídeos e HQs, baseados em suas próprias vivências. Não por acaso, todos versavam sobre preconceito, como este da Litza (12 anos) sobre a discriminação de gênero no seio da família.