Arquivos e carimbos, de Pedro Charbel

Há alguns anos li um conto de Vitor Giudice que nunca me saiu da cabeça: O Arquivo. Crítico às relações de trabalho e a desumanização do trabalhador, o conto narra as desventuras de joão (com letra minúscula mesmo), que depois de inúmeros cortes salariais e rebaixamento de posto, requer sua aposentadoria no limite de sua agonia. Transcrevo o final da narrativa: “joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo.As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento. João transformou-se num arquivo de metal.”

É praticamente consenso que o capitalismo tem reificado a nós e às relações sociais. No entanto, no famigerado “mundo globalizado”, não somos reduzidos somente a arquivos de metal. A obra de Barthélémy Toguo – integrante da mostra Geopoéticas, da 8ª Bienal do Mercosul – atenta para uma reflexão mais complexa. Aqueles fadados a tornarem-se os arquivos de Giudice podem vir a apresentar outras formas: carimbos.

Este slideshow necessita de JavaScript.

É o que acontece quando se tenta caminhar rumo a outro destino que não o de joão e, nesse caminho, esbarra-se em algum posto de controle fronteiriço ou legislação adversa à condição do ser humano que migra. O artista camaronês que vive na França retrata as degradantes e coisificantes políticas migratórias a que estão sujeitos os cidadãos do mundo, especialmente aqueles que advêm de países mais pobres.

Os carimbos que autorizaram ou negaram a entrada de Toguo inspiram as esculturas e litografias. Na obra, tomam formas humanas e carregam dizeres que vão desde aqueles usados nas burocracias nacionais até outros mais críticos e sintéticos desse processo: “ILEGAL” é o que se lê em um deles.

Na 8ª Bienal do Mercosul bandeiras nacionais, cujo conteúdo colorido escorre pela parede ou fora recortado, jazem esvaziadas. De modo igualmente perturbador, planisférios são desvelados, distorcidos pelo capital internacional ou tornam-se quebra-cabeças de identidades… A mostra inspira reflexões críticas acerca das relações internacionais e acima de tudo as materializa – literalmente, nesses casos. Se antes bastava nos indignarmos com a degradação dos trabalhadores perante um patrão, ou mais adiante diante de um sistema nacional injusto; hoje nossa indagação deve superar fronteiras, sejam elas físicas ou não. Somos arquivos de metal e carimbos de migração.

A 8ª Bienal do Mercosul ocorre em Porto Alegre, até o dia 15 de novembro.

“Caminos Invisibles… La Partida”, em São Paulo de 23/9 a 16/10

El Centro Cultural de São Paulo será la sede de la feria: “Caminos Invisibles… La partida”  que mezclará poesía latina, con el antiguo lenguaje multimedia y música con sonidos contemporáneos. Los problemas de las grandes ciudades, con especial atención en los inmigrantes irregulares, el trabajo esclavo y las consecuentes condiciones infrahumanas a las que están sometidos para sostener a la industria de la moda, serán el eje temático de la presentación.  
El sótano del Centro Cultural São Paulo será sede del espectáculo de la Nueva Compañía de Teatro que este año celebra su 10º aniversario. Las celebraciones también incluyen una serie de conferencias y talleres. El repertorio abarca la historia temprana de los inmigrantes sudamericanos, especialmente de los pueblos andinos, que dejan sus países y llegan a la gran metrópoli de São Paulo, en busca de mejores condiciones de vida. Este escenario se funde con la lucha por la supervivencia, en el gran mercado de la industria de la  moda que se sostiene enr el trabajo esclavo de los inmigrantes. Carina Casuscelli, directora de la Nueva Compañía de Teatro,  dice que todo en su obra es autosuficiente, es un paralelo con la sociedad actual, donde todo se comercializa. Para Lenerson Polonini, director artístico de la Nueva Compañía de Teatro, Caminos Invisibles se configura como un esfuerzo por romper los estereotipos, dejando al descubierto la riqueza y belleza de una cultura de 15.000 años y, al mismo tiempo, marca una nueva era en el trabajo de investigación, la inversión en un mismo drama, la deconstrucción de algunos de los procedimientos adoptados en trabajos anteriores, pero sin renunciar a los aspectos performativos, una de las principales características de la obra de la Compañía . Una visión sobre los procesos migratorios contemporáneos y emergentes, mezcla de música tradicional andina, canto, danza, textos en quechua y aymara,  teatro y videos documentales. Toda la investigación y la riqueza de la vestimenta típica de los pueblos andinos se encuentran entre los otros puntos de interés de la pieza y parte de la labor de investigación del director en sus más de cinco años de estudio sobre los pueblos andinos en Brasil (Multimídia, 70min, 14 anos)

Cia. Nova de Teatro – direção: Lenerson Polonini – elenco: Carina Casuscelli, Cléo Moraes, Rosa Freitas, Ricardo Gelli, Juan Cusicanki e Camila dos Anjos –  Sextas e sábados, às 21h; domingos, às 20h de 23/9 a 16/10 – Entrada franca – retirada de ingressos: na bilheteria (terça a domingo, das 10h às 22h), somente na semana da apresentação – no Espaço Cênico Ademar Guerra, Centro Cultural São Paulo (80 lugares)

Quem são nossos inimigos? por Evandro de Carvalho

Na série de desenhos intitulada “Inimigos”, Gil Vicente se retrata ameaçando assassinar personalidades como Mahmoud Ahmadinejad e Ariel Sharon, Lula e Fernando Henrique Cardoso, a Rainha Elizabeth e o Bush. Para Vicente, é um protesto movido pelo seu desencanto e pela certeza de que nada vai mudar. O Presidente da OAB de São Paulo parece ser um sério candidato a ser retratado na obra de Vicente: ele interpretou as obras por meio dos olhos do direito e logo viu ali um crime. São olhos condicionados para ver o mundo por meio dos filtros da lei. E de qual lei? Das instituições contra as quais o próprio Vicente se insurge. E se o direito serve a estas instituições, o que esperar dele?

Leia aqui todo o discurso do Presidente da ABEDI na abertura do encontro realizado em Recife, na sexta-feira passada, com apoio da UNICAP, da FGV Direito Rio e da OAB-PE.

Keith Haring em exposição

Grafiteiro, ele chegou a fazer 40 “desenhos de metrô” num só dia. É que, nos anos 80, os painéis de publicidade vazios foram a “mídia alternativa” de Keith Haring. Mais tarde, quando reconhecido como pintor, escultor, desenhista e um folgado etcétera, Haring teve sua carreira marcada por muitos projetos públicos, sobretudo os  ligados ao ativismo pelos direitos das minorias, e causas várias, como a luta contra o apartheid (ver imagem abaixo). A AIDS o levou com 31 anos, mas, em seus últimos anos de vida, tornou imortal o seu enfoque da doença, sem culpa mas com consciência. A exposição do “artivista” Keith Haring estará em São Paulo, no Conjunto Nacional, até 5 de setembro; no Rio de Janeiro, de 28 de setembro a 14 de novembro; e em Belo Horizonte, de 3 de dezembro de 2010 a 6 de fevereiro de 2011. Veja aqui  a biografia do autor e grande parte de sua obra (DV) – Dica do Cícero Krupp da Luz (IRI/USP).