Panorama Geral da Lei de Migrações Brasileira (1980-2014)

O entendimento sobre como deve ser uma política migratória adequada é tema controverso em tempos de maior mobilidade através das fronteiras, seja dentro da academia, nos movimentos sociais, na opinião pública, imprensa ou nas esferas governamentais. De maneira geral, o debate circunda a tensão que se estabelece entre duas visões: de um lado, a migração como questão pertinente à segurança nacional e, de outro, como um direito humano (DH).
 
SEGURANÇA NACIONAL X DIREITOS HUMANOS
 
No Brasil, a matéria é regulamentada pelo chamado Estatuto do Estrangeiro (lei 6.815/81), sancionado pelo então presidente Figueiredo, o último general da ditadura civil-militar. Predomina, neste Estatuto, a visão securitária: a migração é submetida ao “interesse nacional”
 
Predomina nesse Estatuto a visão securitária, ou seja, ligada à segurança. Na época da ditadura, o “interesse nacional” era proteger o país de qualquer ameaça, fosse ela interna ou externa, sendo um dos fins evitar que ideias comunistas se espalhassem no país. Desse modo, os imigrantes eram vistos como pessoas que deveriam ser vigiadas ou barradas. De modo a melhor controlá-lo, ao estrangeiro é vedado o direito à reunião e à participação política; a posse de meios de comunicação ou de determinação de seus conteúdos. O estrangeiro também é visto como uma ameaça ao mercado de trabalho nacional e, em vista disso, sua vinda é condicionada às necessidades produtivas do país. 
 
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o amplo arcabouço de direitos garantidos, muito do antigo Estatuto hoje contradiz princípios constitucionais. Diante disso, a falta de um marco renovado e compatível com o novo momento constitucional, que forneça diretrizes claras para a padronização da conduta das instituições do país, gera diversos problemas. Um deles é a sobreposição de normas conflitantes. Grande parte das lacunas ou dos conflitos entre o antigo Estatuto e a mais recente Constituição são resolvidas por intermédio de resoluções do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão do executivo federal ligado ao Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE), dando ampla margem de discricionariedade  ao Excutivo. Apesar do CNig ser regido pela Política Nacional de Proteção ao(a) Trabalhador(a) Migrante, a posição do governo é dividida, de modo que não é possível falar em uma política única e coerente sobre migrações em âmbito doméstico.
 
A falta de uma política unificada pautada pelos direitos humanos também favorece a perpetuação, na burocracia estatal, de condutas que revelam a visão predominante do imigrante como sujeito de status diferente e inferior frente ao nacional. Isso é recorrente no acesso à saúde e à educação básica: segundo a Constituição de 1988, o imigrante tem garantido estes direitos, independentemente da sua situação documental ser irregular ou não. Não obstante, não são raros os relatos daqueles que tiveram o acesso negado a estes direitos pelos agentes do Estado.
 
Exemplo de como, no cenário atual, a imigração é intrinsecamente relacionada à “segurança nacional” pode ser vista na atuação da Polícia Federal (PF). Ela é a responsável pela tramitação de documentos e expedição do Registro Nacional dos Estrangeiros (RNE), cédula de identidade do imigrante, além da carteira de trabalho. O resultado é o contato frequente entre o imigrante e a polícia, cuja qualificação dos agentes é majoritariamente voltada para o asseguramento da ordem e da segurança. Assim, tornam-se frequentes as reclamações de que a abordagem da burocracia da PF é inadequada, pois seu treinamento não é, como dito anteriormente, para tratar de imigrantes. Essa situação de inadequação se agrava ainda mais em um cenário de terceirização do serviço em função de escassez de mão de obra, frente ao aumento da mobilidade humana. A falta de uma organização civil que lide com a questão associa, ainda mais, o controle da imigração com a garantia de segurança, como se o imigrante fosse, de antemão, um criminoso, dificultando seu entendimento como direito humano.
 
Ver esse tema através da lente dos DHs significa, em primeiro lugar, reconhecer a aplicabilidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, conforme seu artigo 13:
 
§1 Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
§2 Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
 
Aqui se estabelece o dilema entre garantia aos direitos humanos e soberania estatal: historicamente, é o Estado o garantidor da cidadania aos seus nacionais e dos direitos a ela vinculados; mas é esse mesmo Estado, ao comprometer-se com os DHs, que deve dar ao imigrante status legal igual ao do nacional, já que os direitos humanos superam a ideia de fronteiras. A controvérsia atinge o Estado nos seus aspectos mais definidores historicamente: a primazia do cidadão nacional em relação ao considerado estrangeiro. Desta perspectiva, a ideia de garantia dos DH é extremamente subversiva à ideia antiga e mais consolidada de Estado-nação. Superar esse dilema depende, assim, de um novo entendimento acerca do migrante, da soberania e  da função do próprio Estado
 
ACORDOS INTERNACIONAIS
 
No que diz respeito a acordos internacionais que avançam nessa temática, é importante ressaltar, nesse breve panorama, que o Mercosul deu significativo passo em direção a mudança de paradigma da imigração, com o “Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, Bolívia e Chile”, no qual garante aos nacionais de um Estado Parte residência em outro Estado Parte mediante apresentação de um documento de identificação, declaração e certificado de antecedentes criminais e pagamentos de taxas. Assinado em 2002 e ratificado em 2009 no Brasil, o Acordo representa um importante dispositivo que além de beneficiar diversos imigrantes, caminha rumo a formação de uma “cidadania sul-americana”. 
 
Em contrapartida, o Brasil é o único país no âmbito do Mercosul que não aderiu à “Convenção das Nações Unidas para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias”, a qual assegura ao trabalhador imigrante e sua família tratamento e garantias fundamentais à pessoa humana. Embora a CNIg tenha emitido uma resolução recomendando ao Ministério de Relações Exteriores a adesão do país, ela tramita no Congresso desde 2010, demonstrando, assim, falta de vontade política, já que a adesão representaria um considerável progresso do reconhecimento da migração como um direito humano.
 
TENTATIVAS DE MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO DOMÉSTICA
 
Quanto à normativa interna, diversas tentativas de mudança foram empreendidas. Uma delas, o Projeto de Lei 5655/2009, em tramitação no Congresso Nacional, é uma proposta de substituição ao Estatuto do Estrangeiro que supostamente pauta a aplicação da lei de acordo com os princípios de DH. No entanto, ele ainda preserva ideias como a defesa do interesse nacional e a primazia na concessão de visto pra pessoas que se enquadram como mão de obra especializada, de teor notoriamente conservador, tal qual o quadro jurídico vigente.
 
Há ainda outras graves restrições que permanecem nesse PL 5655/09, como a proibição de dirigirem veículos jornalísticos. Vale ressaltar também que poucas reivindicações dos movimentos sociais de migrantes foram atendidas, como a transferência de competência dos trâmites burocráticos migratórios para um órgão civil. O PL 5655/09 enuncia um rol de direitos de forma geral e abstrata enquanto contêm um conjunto de deveres extensos e específicos que restringem a amplitude daquele direito.
 
Outro projeto de lei foi aquele elaborado pelo senador Aloysio Nunes (PLS 288/13). Um dos principais objetivos ancorados no projeto de lei seria a adequação a princípios democráticos contidos na Constituição Federal e a  compromissos de DHs firmados pelo Brasil, preocupando-se com a assistência humanitária, integração regional e a cooperação internacional. 
 
Todavia, ainda que em vários aspectos avance em relação ao PL 5655/09, o PLS 288/13 estabelece os direitos de forma vaga, sem agir nas condicionantes estruturais capazes de promover uma mudança efetiva. Não trata por exemplo, da criação de um órgão civil responsável pelo atendimento aos imigrantes, ou de um visto para estrangeiros sem o vínculo empregatício; antes, configuram tentativas de harmonização da legislação migratória com os princípios constitucionais firmados com a redemocratização e os tratados internacionais de DH, sem propostas de modificações concretas.  
Diante de propostas de mudança na legislação distantes do considerado ideal por especialistas e pela comunidade migrante, em 2013, o Ministério da Justiça, por meio da Portaria n° 2.162/2013, criou uma Comissão de Especialistas com a finalidade de apresentar uma proposta de “Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil. A Comissão promoveu além de reuniões com representantes do governo, acadêmicos e especialistas, duas audiências públicas com ampla presença de movimentos sociais e da sociedade civil ” durante o processo de elaboração.
 
O Anteprojeto tem como principais características a compatibilidade com a Constituição e Tratados Internacionais de Direitos Humanos em vigor no Brasil; a mudança do paradigma da visão sobre imigração, passando do viés securitário para o dos direitos humanos; a unificação de numerosas normas dispersas; a participação da sociedade civil; e o objetivo de preparar o país para novos ciclos migratórios internacionais.
 
A criação da Autoridade Nacional Migratória (ANM) é um dos principais dispositivos criado pelo Anteprojeto e um dos pontos nos quais mais difere de forma mais incisiva das propostas anteriores. O órgão permitiria a regulação da política migratória de forma mais concentrada, tornando-a mais efetiva e coerente no país. Outro aspecto importante é que a centralização do atendimento ao imigrante diminuiria a burocratização, já que hoje o serviço é fragmentado em pelo menos três ministérios: Relações Exteriores, Trabalho e Emprego e Justiça.
 
O direito do ser humano em de buscar melhores condições de vida perpassa a busca por trabalho. A concessão de visto temporário de trabalho para estrangeiros que não possuem vínculo empregatício, pelo prazo máximo de dois anos, é mais um importante avanço para a defesa dos direitos do imigrante contido no Anteprojeto de Lei. Esse dispositivo regularizaria muitos imigrantes que atualmente buscam emprego no Brasil. 
 
A consolidação de direitos iguais ao imigrante independentemente da renda constitui um passo primordial para uma lei em concordância com os DH. Na normativa atual, observamos atos questionáveis como a resolução n°84, aprovada pelo CNIg, que concede visto permanente ao imigrante com pretensão de investir um montante superior a R$150.000,00 em atividades produtivas no Brasil. O Anteprojeto de Lei assegura a igualdade de direitos, sobretudo com a isenção de taxas e serviços a imigrantes que comprovem hipossuficiência econômica. Essa garantia provavelmente gerará uma intensa oposição por parte da Polícia Federal, que hoje arrecada uma grande soma de dinheiro das taxas altíssimas cobradas por documentos. 
 
Atores interessados em retroceder no amplo rol de direitos garantidos pelo mais atual anteprojeto são dos mais variados, incluindo setores internos do governo menos interessados na garantia de direitos do que na fatia do poder que lhes cabe ao lidar com uma população tão marginalizada no debate público – e, por conseguinte, tão mais sujeita a arbitrariedades. Faz-se mais do que necessária a aprovação de uma lei que garanta esses avanços, que apague essa lamentável herança da ditadura civil-militar e que sane uma dívida histórica com os imigrantes no Brasil.
 
por Educar para o Mundo (Camila Gumiero, Hugo Salustiano e Natália Lima de Araújo)

UM ENFOQUE VERGONHOSO DO DEBATE MIGRATÓRIO (Nota sobre editorial do Estadão de 26/8)

(Publicado em 26/8/2014 na nossa página do Facebook)

O jornal O Estado de S. Paulo publicou hoje (26/8/2014) lamentável editorial sobre a situação dos imigrantes no Abrigo do Glicério, na cidade de São Paulo, sob o título: “Uma situação vergonhosa”. Apontando as graves condições em que tais pessoas se encontram, o jornal, ao expor sua visão sobre migração – aparentemente ancorada no pior do senso-comum – comete outras tantas violações de direitos humanos, desinformando e deseducando leitores com um texto caduco sobre essa complexa questão.

Dois problemas saltam à vista: a redução simplista da problemática à um disputismo entre PT e PSDB nas esferas municipal, estadual e federal; e a abordagem sobre migração que tende a uma solução não mais correspondente com a realidade do século XXI.

O governo do estado de São Paulo não está – e jamais poderia estar – sendo arrastado para um problema criado por “correligionários do prefeito Fernando Haddad”. Nem “correligionários”, nem prefeito da cidade teriam capacidade de criar tamanho problema, ou de resolvê-lo sozinhos. Tampouco poderia o estado de São Paulo passar ao largo da questão sem responsabilizar-se em parte pelo assunto.

Um rápido panorama ajuda a mostrar as nuances da questão migratória. A migração pode gerar problemas quando o Estado não possui políticas adequadas para tratar o fenômeno. As que o Brasil aplica, infelizmente, são caóticas. Temos um Estatuto do Estrangeiro da época da ditadura e que se pauta pela visão do imigrante como ameaça à “segurança nacional”. Hoje, tal Estatuto é em grande parte incompatível com a Constituição Federal de 1988 e com diversos tratados internacionais de direitos humanos assinados e ratificados pelo Brasil.

As lacunas e incompatibilidades da legislação são resolvidas por resoluções (não tem status de lei) do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), cuja política interna (Política Nacional de Imigração e Proteção Ao(a) Trabalhador(a) Migrante) é mais atualizada e orientada pela garantia dos direitos humanos. Porém, a atuação do órgão é altamente discricionária, e algumas das soluções encontradas – como a ação conjunta com o Conselho Nacional de Refugiados (CONARE) de aceitar pedidos de refúgio como forma de conceder carteiras de trabalho – estão distantes de serem as mais desejáveis, pois não resolvem o problema.

Assim, a conduta do país em relação à migração é um verdadeiro mosaico que se reflete nas atitudes descompassadas entre as unidades federativas, como o “governo petista” do Acre mandando para São Paulo os imigrantes que lá estavam. Frise-se: sem nenhum aviso prévio. Mais provável que a tese do complô petista arquitetado contra o estado de São Paulo levantada pelo jornal, o que existe é uma imensa desarticulação de posições dentro do Estado brasileiro. Muito da negligência frente às condições de vida de significativa parcela da população migrante explica-se, em parte, pela ausência de direitos civis e políticos, especialmente o direito ao voto, situação vergonhosa se comparado a seus vizinhos latinoamericanos, onde o direito a votar e ser votado é garantido em alguma instância governativa. Somam-se a isso atitudes desinformadas e preconceituosas que fazem da imigração um não-tema na política nacional.

A solução sugerida pelo editorial é a do fechamento das fronteiras, como fazem os “países prudentes”. É interessante ponderar sobre quais seriam os países a que o jornal se refere. Seriam aqueles que, ao dificultarem o ingresso, deixam que as pessoas padeçam em barcas a meio caminho do país? Os mesmos que, com políticas restritivas, incentivam o aparecimento de coiotes, rotas clandestinas e, quando da entrada no território nacional, deixam os imigrantes na marginalidade, expondo-os ao trabalho escravo e condições precárias?

Em pleno contexto de intensificação de fluxos migratórios, é lamentável a persistência da lógica de que as pessoas pararão de migrar e buscar melhores condições de vida caso o país de destino se negue a recebê-las. A realidade brasileira, e de muitos outros países, hoje nega essa possibilidade. Apesar das contradições de suas posturas quanto à imigração, da precariedade de condições da vinda e permanência no país, as pessoas ainda insistem em migrar. Mais além: o próprio fenômeno migratório, a despeito de todas as catástrofes, crises ou desastres que o motivem é, em si, um direito que transcende todas essas adversidades, pois mesmo em um mundo livre de reveses as migrações seguiriam sendo legítimas. E é justamente dentro desse paradigma que nos salvamos da falsa noção de “imigrante ilegal”. Em outras palavras, o termo classifica equivocadamente a passagem de fronteiras como passível de sanção criminal. Assim, sendo a migração um direito, é dever do Estado “regularizar” o migrante, e não criminalizá-lo.

Portanto, a solução contemporânea não inclui mais o fechamento das fronteiras – tarefa, aliás, impossível e dispendiosa para um país das dimensões do Brasil, que as têm muitas vezes distantes e pouco povoadas. Também não inclui a restrição dos direitos garantidos aos imigrantes, o que só intensifica sua vulnerabilidade. A solução está na integração cultural, política e socioeconômica dessa população, assim como já se fez com inúmeras outras nacionalidades na própria história do Brasil.

Muito além da questão da mão-de-obra contribuir para o crescimento do país, não há razões para impor barreiras à influência cultural que os diversos povos proporcionam senão por um ufanismo ilusório, dado que o Brasil foi constituído por diversos povos. O reconhecimento e acolhimento de outras culturas é um passo importante na construção de uma identidade tolerante, sincrética e plural, especialmente no âmbito da América Latina e da integração regional.

A solução deve incluir, também, a aprovação da nova Lei de Migrações construída, com participação da sociedade civil, pela Comissão de Especialistas do Ministério da Justiça que oferecerá o suporte jurídico para uma nova política nacional que respeite os direitos humanos dos imigrantes.

Nesse campo, as sugestões de uma política migratória mais progressista geralmente trazem à tona o mito da “invasão de estrangeiros”, o qual, porém, não se sustenta. Segundo as estimativas mais altas, o Brasil ainda continuaria a ser um país de emigração, e os imigrantes aqui instalados não ultrapassariam 0,5% da população nacional. Caem por terra as perspectivas de que o SUS e as escolas congestionariam ainda mais com a presença dos imigrantes (ver “Criação de lei de migrações é dívida histórica do Brasil” http://www.cartacapital.com.br/sociedade/divida-historica-uma-lei-de-migracoes-para-o-brasil-9419.html).

A restritividade da legislação migratória brasileira, combinada com a adoção de políticas desarticuladas agravam a situação atual. O cerne do problema é justamente a falta de uma política clara e coerente que dê conta da realidade. Para tanto, é necessária a articulação das diferentes esferas do poder – do âmbito municipal, estadual e federal – pois, sendo a imigração algo inerentemente transversal, nenhuma das partes pode se dar ao luxo de se eximir ou de tomar posições unilaterais sobre a garantia de efetivação dos direitos humanos dos migrantes.

O resultado da desarticulação são as situações degradantes como a que vemos no Glicério. Sem dúvida, a prefeitura tem a sua parcela de responsabilidade e deve esclarecimentos sobre as condições do abrigo e ao atraso na inauguração do Centro de Referência e Acolhida ao Migrante (CRAI-SP). Mas o governo estadual também tem sua responsabilidade – aliás, reconhecida oficialmente em maio deste ano na Conferência Nacional de Migrações e Refúgio (COMIGRAR) – já que a posição do Estado brasileiro como um todo deve ser de proteção ao migrante, e não dependente das visões subjetivas de um governo ou de outro. Antes de ser mera negligência do governo municipal, as atuais condições do abrigo são, na verdade, sintomas de um problema estrutural muito maior, a saber, a desigual delegação de competências entre os poderes federal, estadual, municipal.

Considerando tudo o que foi exposto, nada mais raso do que a opinião de que tentativas de integração dos imigrantes seriam “compaixão” ou mero jogo partidário, tal como sugerido pelo editorial. Longe de compaixão, caridade ou humanitarismo retórico, trata-se do dever estatal da garantia de direitos e da mudança da visão do imigrante como intruso ou ameaça à estabilidade do país. O imigrante é, sim, aquele que vem legitimamente buscar condições melhores de vida e que tem muito a contribuir na construção do país, de diferentes formas, inclusive culturalmente. Vale ressaltar, contudo, que embora os compromissos assumidos pelo Brasil via tratados de direito humanos sejam uma responsabilidade essencialmente estatal, é inegável o papel central da gestão dos órgãos que o compõem para esse dever, uma vez que as políticas públicas voltadas a essa população, concretizadoras dos direitos expressos no papel, dependem da agenda e vontade política dos que administram o aparato público. Se houver vontade política, a situação atual pode se transformar numa oportunidade para mostrar que é viável e desejável uma nova forma de abordar a mobilidade humana no cenário internacional, gerando um paradigma que se contraponha à guinada xenófoba que alguns “governos prudentes” vêm realizando na Europa.

Coletivo de extensão universitária Educar para o Mundo

Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

Leia na íntegra o editorial do Estadão: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-situacao-vergonhosa-imp-,1549623

Carta do Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes em defesa da vinda de médicos cubanos e demais estrangeiros ao Brasil

Republicamos abaixo post do site do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante/CDHIC que, assim como o Educar para o Mundo, compõe o referido Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil. 

Em reunião realizada no último dia 27/07, o Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil, coletivo composto por mais de 30 organizações entre associações de imigrantes, centrais sindicais, grupos culturais e centros de defesa dos direitos dos imigrantes, aprovou a publicação de uma Carta em apoio ao ingresso de médicos nacionais de outros países para atuação profissional no Brasil.

Na Carta, o Fórum critica a posição de entidades corporativas como Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR), a Federação Nacional dos Médicos e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Confira trechos:

“Dada esta realidade, não procedem as críticas de que os médicos estrangeiros causariam uma concorrência desleal, roubando as vagas dos médicos brasileiros – até porque, prioritariamente, as vagas serão oferecidas a esses últimos. Nunca foi cogitado, nem antes do lançamento oficial do programa, preterir ou desprezar brasileiros. Nesse medo reside a primeira das faces da xenofobia presentes – conscientemente ou não – nas mobilizações contra a vinda de estrangeiros: a ideia de que “eles” vêm para roubar “nossos” empregos. Ideia semelhante àquela de países que historicamente recebem grande fluxos migratórios e que usam os imigrantes como bodes expiatórios de suas crises. Tal posição é frequentemente criticada por países em desenvolvimento, não se excluindo o povo brasileiro, que gaba-se do mito de sua suposta hospitalidade exemplar”.

No final, o documento manifesta solidariedade aos médicos cubanos e, por extensão, a todos os profissionais imigrantes impedidos de exercer sua profissão por processos de revalidação preconceituosos, feitos deliberadamente com o intuito de excluir estrangeiros. “Também repudiamos as declarações xenófobas das diversas entidades e protestos de rua que se opuseram, de maneira extremamente intolerante e desinformada, à vinda desses profissionais ao país”

A reunião foi realizada na sede do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante) e teve a participação de lideranças e representantes das entidades. O Fórum irá realizar uma série de atividades a partir de Agosto, em torno das condições de vida dos imigrantes que vivem no Brasil e sobre a revisão da legislação migratória brasileira. Em breve será divulgado o calendário de ações que inclui uma Audiência Pública, Plenárias e Pré-Conferências no marco da Conferência Municipal de Políticas para Migrantes e a Conferência Nacional de Migração e Refúgio, previstas para novembro de 2013 e março de 2014, respectivamente.

Leia o documento na íntegra: Carta de Apoio à Vinda de Médicos para o Brasil – Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil

(Link para o post original: http://www.cdhic.org.br/?p=1244)

Oficina “Novo Estatuto do Estrangeiro: O que é e como te afeta”

Nesse sábado, dia 24 de Novembro de 2012, o Educar para o Mundo organizará, em parceria com a Equipe de Base Warmis do coletivo Convergência de Culturas e com o apoio da Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a oficina “Novo Estatuto do Estrangeiro: O que é e como te afeta”, no Memorial da Resistência em São Paulo.

O intuito do encontro, que se repetirá ainda em outras datas e em outros locais, é pautar a legislação que recai sobre os imigrantes (o atual Estatuto do Estrangeiro e seu projeto de reforma, o PL 5655/2009, assim como o Código Penal e sua respectiva proposta de atualização), apresentando e discutindo-a com esses sujeitos do direito. Quais as motivações e concepções por trás dos artigos? O que corresponde ou não com a realidade, com a proteção dos Direitos Humanos daqueles que migram, ou mesmo com a nossa Constituição?

A oficina, que já aconteceu também no dia 17/11 no CAMI – Centro de Apoio ao Migrante, será repetida em outros locais e datas, e espera-se que possíveis disseminadores destes temas entre a comunidade migrante sejam capacitados pelo encontro.

Oficina  “Novo Estatuto do Estrangeiro: O que é e como te afeta”, 24/11/2012 às 14h no Memorial da Resistência (Largo General Osório, 66)

Campanha Refugiados – Adus | Instituto de Reintegração do Refugiado – Brasil

Políticas migratórias na América do Sul – sexta, 9/3, 17h, no Instituto Cervantes

60 anos de ACNUR: Perspectivas de futuro

Alusiva ao aniversário da Agência da ONU para os refugiados, esta obra reúne excelentes artigos sobre a temática do refúgio. O primeiro, do Professor André de Carvalho Ramos, esclarece a diferença entre asilo e refúgio, comentando, inclusive, o polêmico Caso Battisti. Há trabalhos sobre os haitianos no Brasil, sobre o funcionamento do CONARE e outros tantos temas fundamentais da atualidade. O livro foi organizado pelos Professores Guilherme Assis de Almeida, Gilberto Rodrigues e André de Carvalho Ramos. Leia aqui o texto integral do livro 60 anos de ACNUR.

Imigração na gaveta, de Claudia Antunes

Na Folha de S. Paulo de hoje

RIO DE JANEIRO – Dorme em alguma gaveta do governo federal uma proposta de Política Nacional de Imigração e Proteção ao Trabalhador Migrante que foi posta em consulta pública em 2010. O debate voltou à tona com o afluxo recente de haitianos, um dos temas que seriam tratados ontem na visita de Dilma a Porto Príncipe. No caso dos haitianos, o governo improvisou uma solução com vistos especiais de trabalho, mas ainda não deu conta dos que já estavam a caminho e chegaram à Amazônia sem documentos. Tendo pago os coiotes que os trouxeram, eles resistem a voltar para o país mais pobre do hemisfério.

Elaborada pelo Conselho Nacional de Imigração, ligado ao Ministério do Trabalho, a proposta lançada há dois anos é coerente com a convenção da ONU sobre o tema. À espera de ratificação pelo Congresso, o texto internacional baseia-se na defesa da livre circulação de trabalhadores. Hoje, o assunto é regido no Brasil pelo Estatuto do Estrangeiro, de 1980, que proíbe, por exemplo, que estrangeiros se envolvam em atividade política, incluindo a difusão de programas partidários do seu país de origem. Um projeto de lei para substituí-lo tramita no Legislativo, mas é considerado restritivo por defensores dos direitos dos imigrantes.

Segundo especialistas como Deisy Ventura, da USP, o assunto não sai do limbo porque há divergências significativas. A visão mais tolerante está em confronto com outras que privilegiam enfoques de segurança ou de mercado, incluindo a que advoga a seleção só de profissionais qualificados. O problema é que, pelo peso crescente em sua região, o Brasil tende a atrair imigrantes pobres em maior número, ainda que comecem a surgir candidatos fugidos da crise no sul da Europa. É preciso buscar meios de conciliar os dois movimentos, fazendo jus à tradição de acolhimento que o país vende como parte do seu “poder brando”.

Claudia Antunes, jornalista carioca, formada em jornalismo pela UFRJ, está na Folha desde 2000. Foi coordenadora de redação da Sucursal do Rio (2000-2005), editora de “Mundo” (2006-2009) e atualmente é repórter especial do jornal. Antes, trabalhou por 13 anos no “Jornal do Brasil”, onde foi editora de “Internacional”. Entre 2005 e 2006, foi bolsista da Fundação Nieman para o Jornalismo, na Universidade Harvard.