A Chegada, de Shaun Tan

As diferentes traduções do título da obra do australiano Shaun Tan talvez ajudem a explicar o tanto que ela contém: do original The Arrival (2006), passou a chamar-se algo como Onde vão nossos pais na edição francesa, ou Emigrantes na edição portuguesa. As palavras, porém, aparecem apenas no título, pois o livro dispensa não só a alfabetização, como qualquer outro requisito vinculado a idioma, tempo, idade ou lugar.

Diz a apresentação da edição brasileira (São Paulo, Edições SM, 2011): “O que impele pessoas a largar tudo para se aventurar em um país misterioso, um lugar sem amigos ou familiares, onde as coisas não têm nome e o futuro é uma incógnita? Estes quadrinhos sem palavras contam a história de cada refugiado, cada migrante, cada deslocado à força, em diferentes países e períodos históricos, homenageando a todos aqueles que tiveram de fazer uma viagem desse tipo”.  Resultado de 4 anos de pesquisa, os belos desenhos inspiram-se de numerosas referências, muitas delas fotografias do acervo do Ellis Island Immigration Museum, que datam de 1892 a 1954. Ou do cinema de Vittorio de Sica, ou da obra de Gustave Doré, como o próprio autor faz questão de registrar. As narrativas, inclusive de seu pai, vindo da Malásia para a Austrália em 1960, também subsidiaram as imagens, o que provavelmente explica a identificação imediata que qualquer viajante, ocasional ou não, experimenta ao ver algumas delas. A alucinante capacidade de adaptação do ser humano, para o bem e para o mal, emerge dessa história que todos nós já vivemos ou testemunhamos – ao menos um bom punhado dos detalhes que o autor retrata, com notável delicadeza. Para ver e rever, com a mala pronta ou depois da chegada (DV).

Uma paixão em outra: Nietzsche em HQ

Michel Onfray, que lança na França HQ da vida do pensador alemão, defende o cartum para popularizar a filosofia; biógrafos Rüdiger Safranski e Domenico Losurdo, que publicam livros no Brasil, explicam o apelo do filósofo e a relação com o nazismo. Leia aqui o dossier da Folha de S. Paulo de hoje: Nietzsche para as massas.

Acompanhe o blog do desenhista que ilustrou o roteiro de Onfray, Maximilien Le Roy – o mesmo que descreve a HQ como o “cinema dos pobres” :) http://maxleroy.blogspot.com/

Bienvenido, de Paulo Ramos

Com capa e ilustrações do Liniers, prefácio do Adão Iturrusgarai e muitos aperitivos de desenhistas geniais, o livro de Paulo Ramos sobre os quadrinhos argentinos merece toda a atenção (Bienvenido, Zarabatana Books, 2010). Não gostei do estilo do texto, e ainda menos do modo simplório como descreve Buenos Aires e a cultura argentina, mas adorei tanto os desenhos como as “historinhas reais” sobre os desenhistas que se assanham ali em meio a um monte de nomes e datas. Com certeza, além de resenhar a obra de monstros sagrados como Fontanarrosa e Quino, o livro apresenta ao público brasileiro muitos outros artistas – aliás, fiz uma lista de publicações a rastrear com avidez o mais cedo possível. O volume encerra-se com uma alucinante matéria sobre a esposa do grande Oesterheld, D. Elsa, que perdeu o marido e as quatro filhas durante o regime militar. Bueno, Paulo Ramos conhece o tema a fundo: jornalista e professor, doutor em Letras da USP, ele mantém, desde 2006, o excelente blog dos quadrinhos (http://blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/), que permite acompanhar, cabeça a cabeça, a produção brasileira e também algo da estrangeira. Pena que o site seja difícil de surfar, com página inicial muito pesada, mas sempre vale o esforço. P’ra quem gosta de HQ, Bienvenido já (DV).